O daimon de Sócrates é um dos aspectos mais intrigantes e enigmáticos de sua filosofia. De acordo com os relatos deixados principalmente por Platão, o daimon era uma espécie de voz interior que acompanhava Sócrates desde a infância. Essa voz não era um deus propriamente dito, como os da mitologia grega, mas também não era simplesmente uma intuição comum. Sócrates se referia a essa presença como algo divino, um sinal vindo de uma esfera superior, que o guiava em momentos importantes de sua vida. Curiosamente, o daimon não lhe dizia o que fazer, mas apenas o que não fazer. Era uma advertência, uma espécie de freio moral ou espiritual. Sempre que Sócrates estava prestes a tomar uma atitude que poderia ser incorreta ou contrária à sua missão de vida, essa voz se manifestava, impedindo-o de seguir por aquele caminho.
Para Sócrates, o daimon era uma fonte confiável, mais confiável até do que a opinião pública ou os preceitos tradicionais da religião da época. Ele confiava tanto nessa voz que, durante seu julgamento, usou a ausência de qualquer advertência do daimon como sinal de que aceitar a condenação era o caminho correto. Ou seja, se ele estivesse prestes a cometer um erro ao se defender ou ao aceitar a pena de morte, o daimon teria se manifestado. Como isso não aconteceu, ele acreditava estar em paz com sua consciência e com os deuses. Esse episódio mostra como o daimon era central em sua vida, mais do que qualquer outro tipo de autoridade.
Vários estudiosos interpretam esse conceito de maneiras diferentes. Alguns veem o daimon como uma representação da consciência moral de Sócrates, extremamente desenvolvida. Outros acreditam que se trata de uma forma de intuição filosófica, quase como um sexto sentido racional que o ajudava a perceber quando algo não estava em harmonia com a verdade ou a justiça. Há ainda interpretações mais místicas, que sugerem que Sócrates realmente acreditava estar em contato com uma presença espiritual que lhe oferecia orientação divina.
O fato é que o daimon simboliza a profunda relação de Sócrates com a interioridade e com a busca por uma vida ética e autêntica. Em vez de seguir dogmas exteriores ou se submeter à vontade da maioria, ele escolheu seguir essa voz interior, mesmo quando isso o colocava em conflito com a sociedade e, eventualmente, o levou à morte. A figura do daimon representa, assim, a possibilidade de que o ser humano encontre dentro de si um princípio de orientação superior, capaz de guiá-lo na direção do bem e da verdade, mesmo diante das pressões do mundo exterior.
Nos tempos modernos, o daimon de Sócrates pode ser comparado à ideia de consciência moral, ao conceito de self na psicologia de Jung, ou até ao gênio interior mencionado por autores estoicos como Marco Aurélio. Em todos esses casos, trata-se da ideia de que há algo em nosso interior que pode nos guiar com sabedoria, se estivermos dispostos a ouvir. O daimon, nesse sentido, continua sendo uma metáfora poderosa para o autoconhecimento e para a fidelidade a si mesmo, mesmo diante das maiores adversidades.